Pelo menos 17 prefeituras cearenses extrapolaram os
gastos com a folha salarial dos servidores nos últimos 12 meses e descumpriram
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Juntas, elas somam mais de R$ 1 bilhão
com a despesa no período.
São cidades com baixa arrecadação de impostos que
comprometeram mais de 54% da receita corrente líquida somente com o pagamento
de funcionários, concursados ou comissionados. Os dados são do Tribunal de
Contas do Ceará (TCE-CE), apurados a partir de declarações feitas pelos entes
ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro
(Siconfi) de maio de 2023 a abril de 2024.
INFRAÇÕES
Das 17 administrações, 11 já tinham sido notificadas pelo TCE-CE para
reduzirem os gastos, mas não atenderam às solicitações dentro do prazo
estabelecido pela Corte de Contas. Por isso, elas estavam passíveis a sanções
administrativas pelo descumprimento.
Todavia, por ser ano eleitoral, restrições já foram aplicadas de forma
imediata. Assim, todas estão impedidas de receber transferências voluntárias,
de obter garantia direta ou indireta do Estado ou da União e de contratar
operações de créditos — exceto as destinadas ao pagamento da dívida mobiliária
e as que visem redução da despesa. É o que determina a legislação.
Agora, elas devem reduzir as despesas para evitar punições piores na
esfera política ou jurídica, caso o Ministério Público identifique indícios de
improbidade administrativa.
Todas as 17 prefeituras que extrapolaram os gastos com pessoal têm
baixíssimos índices de independência fiscal, cuja arrecadação própria sequer
chega a 7% do total da receita corrente, variando entre 0,95% e 6,41%. Ou seja,
dependem de transferências obrigatórias e voluntárias da União e do Estado para
subsistir. Com as sanções, já não podem receber recursos voluntários, como
emendas parlamentares, repasses de convênios, entre outros.
Os índices são referentes ao primeiro quadrimestre deste ano, extraídos
do Sistema de Acompanhamento das Contas dos Municípios Cearenses, no site do
Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).
AS GESTÕES QUE DESCUMPRIRAM OS LIMITES DA LRF SÃO:
Prefeitura Municipal de Itapajé
Comprometimento da receita: 61,59%
Valor da despesa: R$ 110.222.886,86
Prefeitura Municipal de Antonina do Norte
Comprometimento da receita: 54,18%
Valor da despesa: R$ 24.137.496,44
Prefeitura Municipal de Missão Velha
Comprometimento da receita: 54,43%
Valor da despesa: R$ 78.981.034,72
Prefeitura Municipal de Itapiúna
Comprometimento da receita: 54,74%
Valor da despesa: R$ 43.048.652,99
Prefeitura Municipal de Pindoretama
Comprometimento da receita: 54,97%
Valor da despesa: R$ 55.165.966,41
Prefeitura Municipal de Lavras da Mangabeira
Comprometimento da receita: 55,20%
Valor da despesa: R$ 62.158.369,29
Prefeitura Municipal de Santana do Acaraú
Comprometimento da receita: 55,68%
Valor da despesa: R$ 59.842.927,18
Prefeitura Municipal de Iracema
Comprometimento da receita: 56,46%
Valor da despesa: R$ 39.511.525,14
Prefeitura Municipal de Jati
Comprometimento da receita: 57,11%
Valor da despesa: R$ 24.986.512,24
Prefeitura Municipal de Nova Olinda
Comprometimento da receita: 57,34%
Valor da despesa: R$ 39.701.800,16
Prefeitura Municipal de Bela Cruz
Comprometimento da receita: 57,46%
Valor da despesa: R$ 66.293.602,82
Prefeitura Municipal de Santana do Cariri
Comprometimento da receita: 57,54%
Valor da despesa: R$ 41.432.028,80
Prefeitura Municipal de Ereré
Comprometimento da receita: 58,06%
Valor da despesa: R$ 22.324.005,44
Prefeitura Municipal de Acopiara
Comprometimento da receita: 58,15%
Valor da despesa: R$ 95.723.740,25
Prefeitura Municipal de Santa Quitéria
Comprometimento da receita: 59,22%
Valor da despesa: R$ 92.521.165,06
Prefeitura Municipal de Amontada
Comprometimento da receita: 60,92%
Valor da despesa: R$ 119.982.784,61
Prefeitura Municipal de Jardim
Comprometimento da receita: 61,49%
Valor da despesa: R$ 64.783.588,01
Por meio de nota, a Prefeitura de Lavras da
Mangabeira informou que o município está adotando as providências para se
adequar à LRF nos próximos dois quadrimestres, conforme estabelecido na própria
legislação.
"É importante frisar que a diminuição do
percentual da alíquota de Contribuição da Previdência Social (paga pelo
município) somada ao incremento da receita corrente liquida contribuirão,
naturalmente, para a eliminação do excesso do gasto de pessoal já no 2º
quadrimestre do exercício de 2024", aponta a nota.
Já a Prefeitura de Santa Quitéria disse que o
aumento do gasto com pessoal ocorreu quando a gestão estava sob outra gerência,
de maio de 2023 a janeiro deste ano. O comprometimento, inclusive, teria
chegado a 63,12% no período, conforme aponta a nota.
"Ao reassumir o cargo em 23/02/2024, o prefeito
José Braga reduziu o comprometimento da folha de 63,12% para 59,22%, portanto,
mais de 1/3 do excedente em menos de um quadrimestre (dois meses e meio)",
salientou, reforçando que a administração segue comprometida com a redução da
despesa até voltar a ficar dentro dos limites da LRF.
A Prefeitura de Bela Cruz informou que o excedente
de gasto com pessoal é advindo de gestões anteriores e que a atual gestão se
comprometeu a reduzir a despesa ao longo dos anos. Segundo a nota, o
comprometimento do orçamento com o pagamento de servidores passou de 65,87%, em
2021, para os atuais 57,58%.
"No primeiro quadrimestre de 2024, o
município mostra total compromisso com o Equilíbrio Fiscal estabelecido na Lei
Complementar, em tese, o percentual era pra estar em 58,46% até o final de
2024, sendo que já no primeiro quadrimestre encontra-se em 57,58%, o que
demonstra transparência e o cumprimento da nossa parte com o Plano de Promoção
e Equilíbrio Fiscal estabelecido na Lei Complementar 178/2021", afirma a
nota.
A reportagem entrou em contato com as demais
prefeituras citadas pelo e-mail cadastrado nos sites das administrações, mas
não obteve retorno até a publicação.
ALERTAS
Outros 64 municípios também foram advertidos pelo
Tribunal, sendo 24 por estarem em situação "prudencial" no
comprometimento do orçamento com pessoal e 40 em "alerta". As
notificações são enviadas às gestões previamente para evitar
irregularidades.
O objetivo é acompanhar os gastos para evitar o
endividamento do ente. É como explica o assessor de Informações Estratégicas e
Operações Especiais do TCE-CE, Daniel Cavalcante
"Muitas vezes, o aumento do percentual do
gasto com pessoal não é decorrente de um aumento de despesa, mas de uma
diminuição da receita corrente. Às vezes até foge ao controle do gestor, ele
pode até reduzir suas despesas, mas o percentual pode continuar elevado, mas é
uma responsabilidade fiscal, é um acompanhamento que a gente faz para evitar
que o ente se endivide. Se isso se mostra uma tendência, que é constante, é
claro que ele vai ter que reduzir a despesa para que ele não comprometa outros
recursos do orçamento com o percentual"
Daniel Cavalcante
Assessor de Informações
Estratégicas e Operações Especiais do TCE-CE
Ele acrescenta que, caso a prefeitura não adote
medidas para diminuir a despesa com funcionários, o parecer da análise anual
das contas de governo do gestor pode não ser favorável.
LIMITE DE GASTOS DA LRF
De acordo com a LRF, as prefeituras podem
concentrar até 60% da receita corrente líquida com o pagamento de servidores. O
percentual, no entanto, inclui os 6% de gastos com a folha do Poder
Legislativo. Ou seja, sobra 54% para a gestão municipal.
Todavia, o recomendado é sempre ficar uma margem
abaixo do percentual máximo, uma vez que o ultrapassar pode configurar uma
infração à LRF.
Os limites são:
Situação regular: até 48,59% de comprometimento da
receita com pessoal;
Situação de alerta: de 48,6% a 51,29% de
comprometimento da receita com pessoal;
Situação prudencial: de 51,3% a 53,99% de comprometimento
da receita com pessoal;
Situação irregular: acima de 54% de comprometimento
da receita com pessoa.
Informação: Diário do Nordeste
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