Enfrentar os problemas impostos pelas mudanças
climáticas requer conhecimento técnico e investimentos. Por isso, o Ceará
promete aplicar R$ 251 milhões, nos próximos anos, em 72 cidades inseridas num
contexto de seca e dificuldades na produção agrícola.
Esse é o objetivo do projeto “Sertão Vivo”, coordenado pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA). Ao todo, 63 mil famílias participantes devem ser selecionadas ainda em 2025. Na prática, elas devem receber assistência técnica e recursos financeiros para modernizar a lavoura.
Segundo a Pasta, essa é a primeira experiência em grande escala na perspectiva da resiliência climática, abrangendo ações relacionadas ao fomento produtivo e acesso à água para produção de alimentos. O projeto foi apresentado em evento na quarta-feira (21) desta semana.
A coordenadora do projeto, Rocicleide Silva, explica que as famílias serão selecionadas a partir de critérios como liderança de mulheres, comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e populações que estejam sob forte intervenção da seca.
“É uma atualização das
práticas com trocas entre os agricultores, porque o manejo deles é muito
importante até para nós, que estamos na cidade, para a melhoria das nossas
condições ambientais e sociais, e ampliação da geração de renda, porque com a
melhoria do solo, você pode melhorar a capacidade produtiva”, considera.
Com o Sertão Vivo, devem ser implantados sistemas de produção resilientes a mudanças climáticas e construídos reservatórios de água para uso na lavoura, como cisternas-calçadão, barreiros, trincheiras e barragens subterrâneas.
As ações seguem diretrizes do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 do Estado, que têm entre as metas a redução da pobreza rural, o acesso à água, a elevação do padrão de vida dos agricultores familiares e a sustentabilidade ambiental.
O governador Elmano de
Freitas ressalta que o Ceará conseguiu os recursos por meio de um edital
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a fim de
fortalecer a convivência dos cearenses no semiárido.
“É uma grande conquista
chegarmos às famílias do nosso interior para produzir, mas fazendo uma mudança
de paradigma, melhorando a qualidade de vida do nosso povo e convivendo com a
natureza. É uma conquista importante de tecnologia social e de consciência
ambiental”, afirma.
Segundo a SDA, o Sertão Vivo vai beneficiar famílias de 8 áreas do Ceará, nas cidades de:
Grande Fortaleza:
Chorozinho e São Luís do Curu
Vale do Jaguaribe: Alto
Santo, Ereré, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro do Norte,
Morada Nova, Palhano, Pereiro, Potiretama, Quixeré, Russas, São João do
Jaguaribe e Tabuleiro do Norte
Sertão dos Inhamuns:
Aiuaba, Arneiroz, Parambu, Quiterianópolis e Tauá
Maciço do Baturité:
Acarape, Aracoiaba, Aratuba, Barreira, Baturité, Capistrano, Guaramiranga,
Itapiúna, Mulungu, Ocara, Pacoti, Palmácia e Redenção.
Litoral Oeste/Vale do Curu:
Apuiarés, General Sampaio, Irauçuba, Itapajé, Miraíma, Pentecoste, Tejuçuoca,
Tururu, Umirim e Uruburetama.
Litoral Norte: Acaraú,
Barroquinha, Bela Cruz, Camocim, Chaval, Cruz, Granja, Jijoca de Jericoacoara,
Marco, Morrinhos, Uruoca e Martinópole
Serra da Ibiapaba:
Carnaubal, Croatá, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipu, São Benedito, Tianguá,
Ubajara e Viçosa do Ceará.
Sertão de Canindé: Boa
Viagem, Canindé, Caridade, Itatira, Madalena, Paramoti.
Como o projeto vai
funcionar?
Após a seleção, as famílias
serão acompanhadas durante dois anos. Rocicleide Silva explica que cada
produção será visitada três vezes por mês, já que a falta ou demora de
assistência técnica é uma reclamação recorrente dos pequenos produtores.
Primeiro, o Estado vai criar um mapa de seleção de comunidades para, em seguida, haver seleção direta e cadastro das famílias. Esse processo deve ocorrer até outubro deste ano.
“Depois da seleção das famílias, nós começaremos imediatamente o diagnóstico com as comunidades, para já no ano que vem a gente já entrar com intervenção”, detalha a coordenadora.
A assistência técnica será feita por organizações da sociedade civil selecionadas por meio de edital. A presença dos agentes se dará, no mínimo, três vezes por mês, ao longo de dois anos, já que o acompanhamento de alguns processos pode requerer mudanças culturais no manejo.
“A gente vai fazer um
diagnóstico para adequar essas propostas à realidade, à necessidade e ao
diálogo permanente com a comunidade. Não é uma intervenção vertical, é uma
intervenção horizontal”, diz Rocicleide.
Quanto cada família vai
receber?
Segundo projeção do secretário-executivo da SDA, Márcio Jacinto, cada família deve ter acesso a R$4,6 mil para adquirir sistemas produtivos.
“Vamos selecionar as famílias para começar a capacitação e elaboração dos planos de investimento, de forma coletiva, mas o investimento vai ser por cada unidade produtiva familiar”, destaca.
Os dois principais componentes de investimento do projeto serão:
Sistemas produtivos
resilientes: com foco na transição agroecológica e consórcio animal-lavoura, os
investimentos serão diretamente nas famílias na perspectiva de produção de
alimento saudável;
Acesso à água para
produção: implantação de tecnologias sociais, como cisternas e barragens
subterrâneas, para ampliar a oferta de água para a produção.
A coordenadora Rocicleide Silva explica que, se houver necessidade, também podem ser aplicadas melhorias de solos e da capacidade de cobertura vegetal em algumas áreas, como em locais onde houve pisoteamento de animais.
O ideal, pensa, é que os
produtores aprendam a balancear corretamente a agricultura, a criação de
animais e a sustentabilidade dos ecossistemas locais.
Riscos da desertificação no
Ceará
Pesquisador da área de recursos ambientais e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Flávio Nascimento considera que o Sertão Vivo tem um “grande desafio” pela frente, uma vez que a seca tem se tornado um problema nacional.
No Ceará, a maior parte do território - especialmente a região Centro-Sul - está em área semiárida e sujeita à ocorrência da desertificação. “Consequentemente, isso exige que nós tenhamos políticas públicas mais eficazes, com diálogo e fixação do produtor rural no campo, para que a gente consiga fazer com que a produção se desenvolva”, aponta.
O especialista explica que a desertificação acontece em ambientes semiáridos já predispostos, com escassez relativa de água, solos pouco adequados à produtividade agrícola e sobretudo onde há manejo inadequado da terra, com desmatamento, degradação do solo e falta de assistência técnica.
“À medida que as mudanças
climáticas avançam com extremos, tanto com as chuvas concentradas, quanto com
as secas mais frequentes, nós poderemos ter, em centenas ou provavelmente
milhares de anos, uma mudança de clima do semiárido para o árido, e aí teremos
deserto efetivamente”, afirma.
Por isso, é necessária uma
transição rural agroecológica, onde os sistemas produtivos sejam de base local,
utilizando mão de obra das comunidades e mantendo as caatingas em pé.
“Precisamos manter a capacidade produtiva do solo e a capacidade proteica da
vegetação para a alimentação dos rebanhos e, assim, economizar com ração”,
projeta.
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